13 de julho é o dia "mundial" do rock. As aspas no "mundial" é porque, de fato, de mundial não tem nada. Apenas um país comemora essa data como dia do rock: o Brasil, desde 1985, mais ou menos. E, obviamente, não tem nada a ver com a data de lançamento de músicas da Sister Rosetta Tharpe ou do Ike Turner, nem do Bill Haley ou do Elvis Presley ou Beatles, e sim de um certo evento chamado Live Aid, que ocorreu em especial nos EUA e na Inglaterra (mas também em alguns outros países) nessa data de 1985.
Mas para chegarmos nesse festival é necessário voltarmos ao tempo. Não exatamente em 1971, quando John Lennon e Yoko Ono lançaram a politizada, porém genial "Happy Xmas (War is Over)" como protesto contra a guerra do Vietnã, mas também usando o Natal como forma de fazer as pessoas pensarem, Bob Geldof, vocalista da banda irlandesa The Boomtown Rats e principal astro do filme "The Wall", começaria, junto com o músico e produtor Midge Ure, um projeto chamado Band Aid. Esse projeto, no natal de 1983, lançaria a canção "Do They Know It's Christmas?", com vistas a arrecadar fundos para os etíopes que passavam muita fome naquela época (curiosidade mórbida: entre 1983-1985 a Etiópia foi governada por um regime comunista ateu, logo eles nem comemoravam natal...). Entre os artistas que participaram desse projeto, nomes como Paul McCartney (ex-Beatles e Wings), Bono Vox (nosso representante cristão, da U2), Sting (The Police), Adam Clayton (também do U2), Tony Hardley (Spandau Ballet), George Michael (Wham!), Boy George (Culture Club), dentre muitos outros. O Band Aid teria ainda mais algumas versões (II em 1989, 20 Years, 30 Years) e geraria reflexos mundo afora.
Alguns desses reflexos foram canções como "Tears are not Enough", do Canadian Northern Lights, "Cantaré, Cantarás", de um supergrupo de músicos latinos e espanhóis chamados de Hermanos, "Éthiopie" da francesa Chanteurs Sin Frontièries, "Les Yeux de la Faim" pela Fondation Québec-Afrique, e a mais famosa de todas, "We Are the World", do USA For Africa (ilustrado no início dessa matéria).
Esse grupo, comandado por Michael Jackson, Harry Belafonte, Quincy Jones, Lionel Richie e Ken Kragen, recrutou diversos artistas da época (dentre eles, Bob Geldof, o mesmo do Band Aid), como Bruce Springsteen, os declaradamente cristãos Michael Omartian, Bob Dylan e Ray Charles, The Pointer Sisters, boa parte da família do Michael Jackson, Kenny Rogers, Kenny Loggins, Diana Ross, Cyndi Lauper, Stevie Wonder, Tina Turner, Huey Lewis, Al Jarreau e vários outros. Até brasileiro apareceu no instrumental: o percussionista Paulinho da Costa. Teria uma continuação 25 anos depois, em 2010, em homenagem ao falecimento recente do Michael Jackson e em ajuda às vítimas de um terremoto no Haiti, contando principalmente com artistas de rap e R&B dessa vez.
Outros projetos similares apareceriam, como o Forente Artister da Noruega e o Hear 'n Aid, projeto capitaneado por Ronnie James Dio (Dio, ex-Black Sabbath, Elf e Rainbow) e Rob Halford (Judas Priest, Halford, ex-2wo e Fight). Juntando uma pá de headbangers de diversas bandas como a atualmente cristã W.A.S.P., Iron Maiden, Yngwie Malmsteen, Blue Öyster Cult, Dokken, Queensrÿche e várias outras bandas do gênero. Além do atualmente cristão Blackie Lawless, o também cristão (já a época) Tommy Aldrigde participou, ambos fazendo backvocais.
Vários desses projetos acabariam por aparecerem justamente no dia 13 de julho de 1985 no gigantesco evento Live Aid, um megaevento que ocorreu simultaneamente nos EUA e no Reino Unido, além de países como Japão, Canadá, Áustria, Austrália, a ainda dividida Alemanha Ocidental e, pro espanto de muitos, as então existentes Iugoslávia e União Soviética. Vários artistas fizeram apresentações marcantes nesses eventos, como Queen, Sting, U2, USA for Africa, Led Zeppelin (apresentação especial com Phil Collins na bateria), o próprio Phil Collins solo, Band Aid, David Bowie, Elton John, The Who, Joan Baez (com uma belíssima interpretação de "Amazing Grace"), Black Sabbath (com o Ozzy Osbourne nos vocais, Geezer Butler no baixo e Bill Ward na bateria junto com o guitarra Tony Iommi), Judas Priest, Run-DMC, Madonna, Carlos Santana (cristão inclusive), Cliff Richard (também cristão) e vários outros - bota vários nisso! O projeto anos mais tarde teve uma nova edição chamada Live 8.
Apesar de criticismos (como o da banda Chumbawamba) e de suspeitas de que os valores arrecadados nesses tantos projetos para ajudar a Etiópia foram desviados por governantes corruptos de lá, o esforço desses tantos artistas (e de várias outras causas - já que até hoje têm muitos eventos e músicos que se unem em causas assim) deveria sim ser aplaudido. E, porque não, imitado por grupos cristãos.
E, olha só, muitos de fato fizeram isso!
Vou aqui abaixo elencar três casos notórios:
The Cause (1985)
Sim, em pleno ano de 1985, diversos artistas da gravadora Sparrow Records e de algumas outras se uniram por Uma Causa: ajudar pessoas do mundo todo (pouca coisa!) Tanto que C.A.U.S.E. era a sigla para Christian Artists United to Save the Earth (Artistas cristãos unidos para salvar a Terra). Então, conectado com o projeto Compassion International, Steve Camp chamou uma galera com a ideia de também, como família de Cristo, ajudar a galera passando fome na África.
E é muito bom ver rostos como o do pai do rock cristão Larry Norman, Amy Grant, Phil Keaggy, Eddie DeGarmo e Dana Key (DeGarmo & Key), Bill Gaither, Steve Taylor, Russ Taff, David Meece, Rick Cua, Evie, Connie Scott, Matthew Ward, Sandi Patty, Glenn Kaiser (REZ Band), Kathy Trocolli e vários outros, todos unidos para fazer a diferença, "fazer algo agora", como a música mesmo falava, "Do Something Now!"
SOS Vida - Adeus Drogas, Há Deus! (1991)
Organizado pelo pastor, cantor, radialista e político Paulo César Graça e Paz (conhecido também pelo programa "Música Viva" que apresentava vários artistas "pouco convencionais" da época em RJ, como Comunidade S8, Maurão, Grupo CAFE, Edson & Tita Lobo, Sinal Verde, Sinal de Alerta e... Rebanhão, obviamente!), esse projeto, gravado nos estúdios da gravadora Line Records, rendeu um single com duas canções, mais o playback da música principal, SOS Vida - Adeus Drogas, Há Deus!. O projeto visava recuperar pessoas do mundo das drogas, algo similar ao que a Comunidade S8 já vinha fazendo desde os anos 1970 por iniciativa inclusive da classe política da cidade de Nova Iguaçu.
Dentre os artistas reunidos, vários rostos bem conhecidos da música cristã, e até do rock "gospel", como Carlinhos Félix (na época ainda no Rebanhão), Mattos Nascimento (que chegou a fazer umas pontas como banda de apoio dos Paralamas do Sucesso), J. Neto, Shirley Carvalhaes, Ed Wilson (sim, aquele que fora antes um astro da Jovem Guarda), Sérgio Lopes (já em carreira solo após sair do Altos Louvores), Cristiane Carvalho e Natan Brito (Banda & Voz), só para exemplificar alguns.
Não estou bem certo, mas é provável que o S.O.S. da Vida, evento da Igreja Renascer em Cristo de SP, que começou a ser realizado naquele mesmo ano de 1991, pode ter tido seu nome influenciado (ou até "roubado" mesmo xD) desse projeto do saudoso Graça e Paz.
VINDE - Atitude e Solidariedade (1993)
Aliás, falando em Renascer, a Gospel Records, junto com o projeto VINDE, do pastor Caio Fábio d'Araújo Filho e o antológico - e ainda existente - Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e Pela Vida do saudoso Herbert "Betinho" de Souza, organizaram-se com diversos artistas cristãos para mais uma vez arrecadar alimentos através de um álbum musical, e dessa vez foi literalmente um DISCO INTEIRO! Inclusive já até falamos disso aqui no blog NESTE LINK. Além de várias músicas com artistas como João Alexandre e Tirza Silveira (Muito Mais), Asaph Borba (Crianças de Ninguém) e uma união épica de Zé Bruno (Resgate), Manga (Oficina G3) e Brother Simion (Fé e Obras, que aliás depois seria a faixa título de outra coletânea da Renascer), a canção principal, Atitude e Solidariedade, escrita e musicada por Josué Rodrigues e Caio Fábio, teria a participação de diversos artistas das mais diversas gravadoras, aliás gravado nos estúdios da Line Records (de novo!). Alguns dos conhecidos na canção são os já citados Josué Rodrigues, Manga e Brother Simion, além de Mattos Nascimento (que no clipe do natal de 1995 seria substituído por Armando Filho), João Marcos, Carlinhos Félix (de novo!), Quarteto Vida, Natan Brito (de novo!), Adhemar de Campos, Jerusa Liasch (Banda Rara), Expresso Luz, Paulo César (Grupo Logos), Paulo César Graça e Paz (olha ele aí de novo! Inclusive ele gravaria uma versão solo no seu álbum lançado pela MK, "Teus Altares") e vários outros.
Como dito acima, teria uma versão da música cantada para uma campanha de natal do Ação e do VINDE juntos em 1995, com algumas mudanças pontuais, mas com muita gente ainda, que apareceu bastante na saudosa Rede Manchete.
Pra quem quiser ouvir o disco completo, AQUI dá pra se encontrar.
CURIOSIDADE "meio mórbida" até: Carlinhos Brown, em sua malfadada apresentação no Rock in Rio III, teria começado a apresentação dele justamente cantando Atitude e Solidariedade. Ah esses "roqueiros do bem" que (contém ironia) respeitam as apresentações dos diferentes deles...
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Bem, depois desses exemplos antigos, vem a pergunta da banda Louvor, Arte e Cia: E NÓS NO PRESENTE, O QUE ESTAMOS FAZENDO? Pois é, acho que foi o próprio Caio Fábio que questionou uns anos atrás, revisitando o Atitude e Solidariedade, onde está essa união dos artistas cristãos que DEVERIAM ser irmãos em Cristo, uma família, como dizia a galera do CAUSE. Pois é, cadê a gente? O que estamos fazendo? Olhando e não vendo?
Como diria o primeiro artista cristão da CCM que de fato se preocupava com os necessitados, o saudoso Keith Green, parece que estamos "adormecidos na luz". Enquanto Keith nem lucrava com seus discos, doando vários deles para ajudar pessoas, parece que prêmios e cachês mais altos são nosso anseio. A vontade de encher-se de fãs, curtidas e seguidores no Insta e canal no YouTube parece ter se tornado a essência do povo dito "cristão". A politicagem e a ideologização "à direita" da igreja em geral, tanto nos EUA como no Brasil, praticamente removeu da mente de boa parte da Igreja o desejo de ajudar às pessoas necessitadas, e pior, simplesmente dizer que todo que pensa em ajudar pessoas na verdade é "esquerdista" e dizer que cristãos não têm de ajudar os necessitados, cuspindo no nome e no ministério não só de Cristo (mas principalmente Dele né, porque né...), mas dos diáconos originais da Igreja, que seu propósito principal era ajudar os necessitados.
O que estamos fazendo? Vamos continuar a só fazer isso? Só vamos ficar de "saudosismo" barato com os do passado?
Que Deus nos acorde!