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sábado, 14 de março de 2020

Rótulos, "clones", imitações e plágios (parte 2)

Entre 1991 e 1992, um grupo surgia com o intuito de supostamente fazer death metal cristão. O nome forte de "Satan on Fire" deve ter animado alguns, mas letras como "Devil in my Lunchbox", "Cat in the Hat", "Mosh for Jesus" e um cover descarado de "Justify my Love" de Madonna logo levaram alguns a desconfiar que seria só uma piada de mau gosto. E era. Os responsáveis? Twiggy Ramirez e Brian Hugh Warner, que futuramente seriam mais conhecidos pela banda Marilyn Manson (aliás, o último dos dois é a persona que usaria o nome da banda como pseudônimo). O Brian mesmo afirmaria pouco mais tarde que a ideia era tentar se infiltrar em clubes cristãos pra causar constrangimento.

Corte seco. Ano de 2001, um split chamado Barad é lançado. Apesar da banda principal ser ninguém mais ninguém menos que a lendária Antidemon, indubitavelmente fantástica, a banda a seu lado passava bem longe disso, mas absurdamente demais longe disso. Se anos mais tarde uma "Mountain UnBlack Metal" seria encarada como uma brincadeira de criança (literalmente, os membros eram mesmo pirralhos kkkk) facilmente esquecível, Zen Garden passaria pra história como um dos piores projetos de gothic/black metal da história, apesar de incrivelmente ainda ter lá seus apoiadores.

Corte seco. Ano de 2000, surge a primeira banda de um certo músico da Bahia. A primeira de uma zilhonada de bandas. Essa era pra ser um black metal com elementos de viking e etc. Depois veio uma de death, uma de symphonic black, uma que lembrava muito uma certa banda de um vocalista com nome de "rei diamante", outra de heavy/speed aos moldes do Judas Priest e no total foram umas dez bandas capitaneadas pelo sujeito em questão. Muito celebradas por supostamente enfatizar temáticas sobre esses temas de teoria da conspiração, "nova ordem mundial", temas apocalípticos, Illuminati e outras paradas que visivelmente nasceram de horas e horas assistindo vídeos do Irmão Rubens com certeza (sim, o link é da Desciclopédia porque qualquer pessoa de bom senso nunca levaria à sério o Irmão Rubens, só sendo um crente bem retardado do cérebro!). Ao que tudo indica, em determinado momento dos anos 2010 esse cara chegou a mandar material de uma das ou de todas suas bandas à época pro Steve Rowe (Mortification, Wonrowe Vision, dono da Rowe Productions), que automaticamente identificou que o material era recheado de PLÁGIOS e cópias de outras bandas seculares (tanto musicalmente como nas capas), um verdadeiro trabalho de Frankenstein. Se essa exposição não fosse o suficiente, o cara acabou exposto por uma ex-namorada dele que ele era machista e agressor de mulheres (!), além de antissemita e que nem sequer ia pra igreja, além de que nenhuma de suas bandas jamais fazia um show sequer. O resultado óbvio deveria ser o repúdio completo a ele e a tudo que ele "produziu", mas incrivelmente dentro da cena até hoje tem quem venere a noite escura, digo, a guerra brutal, digo, o congelamento noturno, digo, o pó imperial, ah, entendedores entenderão...

Corte seco. Ano de 2008. Em Mossoró, surgia uma banda misteriosa chamada White Throne, capitaneada por um tal Carlos Moonlight. Lançando duas demos de qualidade impressionante, a banda chegou a aparecer na revista Extreme Brutal Death (que está voltando inclusive!), a maior publicação cristã de metal extremo no Brasil. Porém, com a incrível facilidade que surgiu, ela também sumiu depois de 2010. Em 2019 surge a tenebrosa verdade: a banda era uma fraude completa. O EP "Armageddon" era uma cópia COMPLETA sem tirar nem por de algumas músicas do disco "Womb of Pestilence" da secular finlandesa Warloghe. A única coisa que o indivíduo fez foi trocar a capa e o nome das músicas e disco, mas as canções são exatamente AS MESMAS. Nem plágio ou cópia foi, foi uma apropriação indébita total de um som que na verdade não fala nada sobre Jesus Cristo e sim louvor a satã.

Corte seco. Ano de 2014. Um projeto de noisegrind tenta se enquadrar na cena cristã. Com um nome sugestivo de F*** the Devil (sim, é um palavrão a primeira palavra!), o líder do projeto supostamente cristão (mas que inclui entre seus projetos coisinhas como "Ejaculator / Gore", "MuthaFucha" e outras belezinhas tais) tentou por várias vezes divulgar sem sucesso o projeto na maioria dos grupos cristãos pela internet, haja vista seu nome exdrúxulo. Passou a até mesmo atacar então o "white" metal como "plágio, apropriação cultural" e mostrar claramente que de cristão ele nunca teve nada.

Esses exemplos, bem como alguns outros, mostram a atitude dúbia da cena cristã, em especial dentro do metal. As vezes rápida em detectar farsantes, noutra tão tolerante com cópias descaradas, projetos de qualidade duvidosa e situações tão constrangedoras quanto um indivíduo o tempo todo aparecer no seu Messenger divulgando sua banda "Savage Thrash Metal" (desculpe até a piada, Júnior Agostini, onde quer que cê ande hoje em dia, mas não deu pra aguentar kkkkk).

Meu blog valoriza projetos cristãos ou feitos por cristãos, mesmo os inativos, até mesmo paródias como ApologetiX e Inpinfess, mas sendo eu um historiador é fácil entender isso, ademais sim, as bandas antigas merecem o destaque devido, porém algumas vezes a cena parece engessada, presa nos mais do mesmo do passado que não fazem nada mais a anos ou simplesmente nem existem mais. As vezes valorizando excessivamente trabalhos de cunho duvidoso e qualidade péssima unicamente por se dizerem cristãos (e ai de quem tiver a coragem de criticar, o risco de ser chamado de "inimigo da cruz de Cristo" por algo tão simplório é enorme). As vezes acolhendo qualquer indivíduo sem analisar adequadamente suas intenções. Ok, não estou aqui pra pregar ultraperfeição, qualidade impecável ou santidade excessiva, longe de mim. Mas o que se espera é um mínimo de compromisso sério com a Palavra.

Eu não me esqueço que a Desinfernality, banda que fiz parte, no início o Wyndson Arruda, que do cristianismo conhecia mais o "mormonismo" (!) quis fazer letras inserindo essa temática, no que os outros membros o repreenderam e deram uma cosmo-visão mais sensata nas músicas (que apesar de ainda conterem aqui e ali umas paradas bem viajadonas da "Verdade Metafísica Pura", ao menos não enfia blasfêmias heréticas no meio do som). É isso que falta, o mínimo de acompanhamento e bom senso. Algo que é martelado a anos, lembro bem que o Cássio Antestor numa publicação antiga do site da Extreme Records falava dessa questão de artistas que vinham do black metal secular pra igreja e ao invés de receberem o devido acompanhamento, eram deixados pra fazer a parada "cristã" quase que instantaneamente, sem nenhum discipulado, nenhum ensinamento e mudança e o resultado normalmente era sempre o mesmo: vergonha pra cena, pra Igreja, pro Evangelho como um todo. Seja por trabalhos de qualidade duvidosa, seja por lírica estranha, as vezes até anticristã, seja por plágio absurdo ou até cópia total e criminosa mesmo, como foi a White Throne.

Enfim, esse texto é uma continuação do primeiro, e a despeito do primeiro ser uma defesa à cena de metal cristão e esse ter um tom mais crítico, acho que os dois pontos e dois pesos devem ser avaliados. Embora eu sei bem - e qualquer pessoa realmente inteligente sabe - que a cena cristã não é e nunca foi um plágio ou uma apropriação cultural, como expus já no primeiro texto dessa série, é necessário tomar cuidado pra que algumas acusações desse tipo não encontrarem argumentos sólidos. O caso da White Throne mesmo eu vi pessoas não-cristãs da cena underground usarem a seu favor pra zombar dos cristãos e mostrar que nossa cena é ridícula e realmente uma "cópia barata" deles. Temos que fazer o melhor, temos que ser ativos, temos que mostrar em quem cremos sem medo (mas não necessariamente transformar as músicas em panfletárias - letras poéticas e metafóricas também podem ser usadas por Deus, obviamente sem ser algo forçado ou apenas pra "disfarçar-se" na cena secular e não ser esculachado por eles), mas temos que ser criativos, ligados, em meio ao caos desse mundo e de seus homens lobos de homens "prudentes como a serpente e simples como pombas" (Mateus 10.16).

Soli Deo Glori /w\

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Rótulos, "clones", imitações e plágios...


Ah, os rótulos! Se há uma coisa ingrata para todo revisionista de música (e acho que na arte em geral) é a necessidade (embora não tão necessária realmente assim) de tachar. De encontrar similitudes entre bandas e artistas, chegando ao extremo em muitos casos de fazer listas do gênero "artista tal é semelhante ou igual a tal". E no mundo cristão é uma parada que me incomoda sobremaneira, essa mania bizarra que alguns têm de querer desesperadamente encontrar uma banda cristã que seja parecida ou idêntica a um grupo não-cristão que ele curte, supostamente com o intuito de "deixar de curtir" (mais uma consequência da hipocrisia do "ouvir música mundana faz mal pra vida espiritual bla bla bla mimimi hurdur texto fora do contexto pretexto pra heresia capítulo 6 versículo 66").

Quando comecei a me especializar no rock cristão, confesso que foi um alento pra mim ver listas como as dos sites Metal for Jesus, Rad Rockers e o saudoso Metal for the King daqui do Brasil mesmo. Foram ótimos guias de comparação de bandas, que de certo modo deu uma ajuda pra identificar um pouco influências musicais de cada uma. Até hoje ainda uso um pouco essas listas, até por uma questão de saudosismo, e porque quer queira quer não são um bom guia - até as usei por um tempo quando era um dos administradores do saudoso fórum CMFreak, quando estávamos tentando fazer uma lista definitiva de bandas cristãs e similares seculares (ou foi no grupo Christian Oldschool do Face? Enfim...). Porém... não te parece algo limitante demais ficar o tempo todo tentando achar a "Dire Straits cristã"? (Aliás, vale a nota, até hoje nunca vi!)

Também nunca vi uma Jethro Tull gospel, uma Genesis cristã, uma Alice in Chains cristã, uma Kiss cristã... então né. Isso significa que a música cristã não é capaz de fazer um som como o dessas bandas? Não exatamente. Apenas Deus dá os dons dele a cada um como Ele quer. Sendo assim, sim, Mark Knopfler, Ian Anderson, Peter Gabriel, Phil Collins, Jerry Cantrell e Gene Simmons, cada um deles têm seus dons musicais por uma dádiva divina (a forma e motivação que usam é problema deles) e não é algo genuinamente adequado para os cristãos insistirem nessa mania de imitar eles ou procurar bandas similares, com medo de se não tiver acabar por continuar a ouvir tais bandas e assim "não vou me converter de verdade" blá blá blá.

Você sabe o quão esse lance de ficar atrás de banda parecida é perniciosa e criadora de rótulos e acusações de "plágio" quando vê o caso do Catedral. É óbvio que a banda se inspirou em, entre outras bandas, no Legião Urbana (e a voz de Kim se assemelhar absurdamente com a do saudoso Renato Russo ajuda nessa conclusão). Mas procurar a banda unicamente por essa particularidade é uma tremenda furada. Aliás foi com pensamentos assim que Ricardo Alexandre, então repórter do finado site Usina do Som em 2001 sabotou deliberadamente (e confessadamente inclusive em seu livro Cheguei Bem a Tempo de Ver o Palco Desabar) uma entrevista com a banda Catedral, no intuito de os rotular de meras cópias do Legião Urbana e também sujar a carreira deles ante o público cristão. Foi também assim que forçaram até o extremo a imagem da banda Yunick como o "Restart gospel" (e em entrevistas a banda jamais endossou esse rótulo, embora obviamente o visual da banda nos primórdios evocasse essa influência da cena happy rock). Até hoje a única banda que conheço que nunca fez questão em negar suas influências claras e até mesmo em se dizer como o "AC/DC cristão" foi a X-Sinner, que dizia isso até no próprio site da banda (e pelo que eu soube por alto, o Rex Scott não curtia nada essa comparação kkkkk). Mas até eles eram bem superiores musicalmente ao AC/DC. Com o passar dos anos e audições passei a repudiar falas como "Barren Cross é o Iron Maiden cristão" ou "Sacred Warrior é o Queensrÿche cristão". E o Bloodgood é o que? Afinal, taí uma banda de metal que nunca vi nenhuma "secular" sequer parecida. O Oficina G3 mudou tanto sua sonoridade ao longo dos anos, seriam o que? O Rebanhão então, quem no secular fazia um som igual ao deles? Vamos descartar talentos assim por não se parecerem com banda nenhuma secular? Ou vamos só continuar procurando a versão cristã do Cradle of Filth?

A verdade é que dá pra entender quando novos convertidos ficam nessa paranoia de procurar uma banda cristã similar ao som da sua banda secular predileta. Mas chega a ser infantil quando um marmanjo velho na fé continua nesse tipo de enumeração por medinho do contato com a "terrível música secular". Enquanto não evoluirmos nesse aspecto, seremos meninos pra sempre, quando já devíamos ser adultos no entendimento e largar as meninices tolas que ainda aprisionam muitos de nós (I Coríntios 13.11).

Soli Deo Glori.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Religiosidade hipócrita, gnosticismo e santidade fingida


"Se estás mortos com Cristo quanto aos costumes desse sistema, por que ainda carregam consigo de regras de conduta desse sistema, como "não proves, não toques, não uses"? Essas coisas todas irão se acabar pelo uso, segundo todos preceitos e doutrinas humanas, que até de fato parecem ser coisas sábias, de devoção voluntária, humildade e disciplina corporal, porém não têm valor (espiritual) algum, apenas satisfazem a existência carnal". (Colossenses 2:20-23)

"Para os puros todas as coisas podem ser puras, mas aos impuros e incrédulos tudo os leva à impureza, afinal a própria mente e consciência deles está corrompida, dizem conhecer a Deus, mas suas obras negam isso, pois são abomináveis, desobedientes e reprováveis para tudo que é bom" (Tito 1:15-16)



No título aparece uma palavra um tanto complicada para muitos cristãos (eu diria a maioria) atualmente - já que estudar a história da igreja é algo que infelizmente pouco se é estimulado por todas vertentes cristãs, sejam elas quais forem -, gnosticismo. O gnosticismo original muitos acreditam ter surgido pouco antes de Cristo, nunca tendo sido um sistema único, sempre possuindo várias escolas, pensamentos e até envolvendo-se com visões um tanto bizarras da existência (como os ofídicos, que diziam seguir o conselho da Antiga Serpente do Éden; ou os Cainitas, que diziam ser os herdeiros da marca de Caim!), mas em geral todos pensavam algo bem parecido: que a matéria, humana e a matéria em geral é perversa, ruim e diabólica. Na sua piração chegaram a perverter o relato da criação divina, dizendo que na realidade o Deus do Primeiro Testamento é diferente do Deus do Segundo Testamento, sendo o do Primeiro (ou "Antigo" pra compreensão geral) seria um demiurgo, um ser maligno que criou a matéria corrupta, e o do "Novo" Testamento seria na verdade o Deus bondoso na forma de Jesus Cristo que - pasmem - não teria de fato ressuscitado, seria somente um fantasma ou um espírito elevado, e a salvação não proveio do sacrifício na cruz, e sim viria da elevação mental (meio que um neoplatonismo distorcido, um budismo/proto-kardecismo ou algo do gênero) e do conhecimento secreto (a "gnose"). Combatido por Paulo (I Coríntios 15 por exemplo, que prova que a ressurreição de Cristo foi real e sem ela não faria sentido continuarmos a pregar, além disso mostra que ela foi superior pois houve uma metamorfose - Cristo assumiu uma matéria celestial, elevada, superior a essa matéria atual; além de citações em outras cartas, como as que citei logo no início do texto) e João (I João principalmente, mas o próprio Evangelho de João é uma prova disso), o gnosticismo e seus textos apócrifos e pseudoepigráficos foram perdendo força como organizações infiltradas na Igreja, sobrevivendo atualmente bem à margem apenas nos circuitos do misticismo e ocultismo juntamente com outras sociedades menores como a Teosofia, a Ciência Cristã, a Maçonaria, dentre outras, além de vez por outra virem a tona com polemistas e conspiracionistas baratos e gente da estirpe de Dan Brown e seus "Código da Vinci" da vida.

Entretanto é fato que o gnosticismo deixou marcas profundas dentro da igreja, mesmo após serem execrados pelos pais da igreja como Inácio de Antioquia e Ireneu de Lião. Já no século III Maniqueu, um dito filósofo cristão, criou a doutrina do maniqueísmo, que baseava-se no dualismo do Mazdeísmo/Zoroastrismo persa (duas formas de uma mesma crença que lá propunha a existência de duas divindades - uma boa e uma má -, e que elas travariam uma guerra eterna na existência cósmica) e também visivelmente no budismo e no gnosticismo, pois também opunha a matéria como algo intrinsecamente maligno e que só o espiritual era bom. Embora considerados heréticos pela Igreja, a influencia deles se espalhou pelo mundo, chegando até mesmo em países muçulmanos e na China (!), e continuaram fortes dentro do imaginário católico, tanto que na igreja Oriental esse conceito permanece bastante forte, ao passo que na Ocidental apesar da redução de sua influência ele continua forte em vários rincões, como no ascetismo dos monastérios, dos franciscanos e organizações radicais como a Opus Dei. Práticas de mortificação corporal através de cilícios e autoflagelações (bem como na versão mais radical, as crucificações voluntárias que ocorrem nas Filipinas) são alguns exemplos de uma interpretação errônea do conceito de mortificar nossos membros (que na realidade se refere a vencermos o pecado e nos abster do que desagrada a Deus, não é virar um asceta completo).

Martinho Lutero foi adepto de alguns desses aspectos de mortificação antes de 1517, o ano que pra muitos marca o início da reforma protestante. A partir desse ponto e seus escritos já nas 95 teses ele passou a romper com esse tipo de visão, percebendo por exemplo que o cristão pode glorificar a Deus onde quer que esteja, no seu trabalho por exemplo (algo que na Idade Medieval muitos consideravam algo ruim, um fardo terrível, quase um carma do ser humano, uma maldição edênica - que vinha da queda no Éden). Graças ao protestantismo essa visão foi sumindo, bem como foi sendo reintegrada de maneira adequada a cultura e arte dentro da igreja (Lutero não temia usar de instrumentos musicais e melodias e músicas "seculares" para uso dentro da igreja e pra louvor ao Senhor), a dessacralização de vários "sacramentos" como o casamento, a confissão e a extrema-unção, a abertura pra ciência e cursos acadêmicos como Direito e Filosofia sem estarem necessariamente forçados à vida religiosa, dentre outras (re)conquistas da Igreja (haja vista que nunca nos Evangelhos e escritos do Segundo Testamento vemos Jesus, Paulo, Pedro e outros apóstolos e discípulos agindo contra a matéria humana, pelo contrário, em Cristo até mesmo o alimentar-se de todos animais da Terra - algo que na lei de Moisés era extremamente regulado e restrito - foi restaurado, pois "Deus purificou", como dito em Atos 10.15). Infelizmente outras vertentes do protestantismo não seguiram os passos de Lutero nesse aspecto, em especial vertentes mais radicais como os irmãos menonitas, os amishes e outras vertentes ultrarradicais contra a relação cristão-mundo, mas mesmo em vertentes mais tradicionais ocorreram movimentos complicados, como uma boa parte dos puritanos e dos metodistas que passaram a demonizar quase toda a inclusão de coisas "deste mundo". O pentecostalismo norte-americano acabou sendo fortemente influenciado por essas duas vertentes, e não a toa no país da "liberdade" e dos ideais do Iluminismo do liberalismo sempre existem casos absurdos, como o caso do "julgamento dos macacos" de 1925 em que se esforçaram em condenar um professor de uma universidade por supostamente ensinar o evolucionismo de Darwin, ou nos anos 1940 com a reação conservadora contra as cruzadas de Billy Graham, nos anos 1960-70 contra os hippies e movimentos sociais, e em especial contra o Jesus Movement, na perseguição MacArtista contra esquerdistas e supostos esquerdistas nos anos 1950, nas leis de regulação das HQs também nos anos 1950, no PMRC e sua censura musical em 1986, nos julgamentos bizarros de supostos suicídios causados por músicas em 1986 e 1991, nos embates de regulação de videogames em 1993, no julgamento de West Memphis 3 até hoje questionado em 1994 - esse último tornou-se a base fundamental de muitos críticos, religiosos e apresentadores de programas policiais especialistas em notícias carniceiras e sensacionalistas de vez por outra atribuírem diversos crimes, serial killers e mass murderes a videogames de ação e violência, filmes e séries de terror, quadrinhos de ocultismo, heavy metal e o satanismo e outras religiões "obscuras". Noutras palavras, veja que em todos esses relatos sempre aparece a mesma premissa de que "o mal está nessas coisas, no consumo delas". O mal então seria nada mais que o que Rousseau atribuía a "culpa da sociedade" e que todos nascem puros (que é a base do que grande parte da esquerda atualmente acredita, e assim surgiram as "vítimas da sociedade" para designar os criminosos - sendo que a grande maioria que entra na criminalidade o faz por opção sim, ou seja, culpa exclusiva da nossa própria perversidade preexistente). Veja que curioso inclusive isso: os "falsos moralistas" de direita e os "politicamente corretos" de esquerda na verdade não estão muito distantes uns dos outros, no fim são "duas faces da mesma moeda".

Eu relembro sempre do filme "A Segunda Chance" de 2006, feito pelo fantástico cantor, compositor, diretor, produtor e escritor Steve Taylor, e que é protagonizado pelo rockstar Michael W. Smith (pastor Ethan Jenkins) e Jeff Obafemi Carr (pastor Jake Sanders). O personagem de Jake tem todo o retrospecto de um típico negro norte-americano do subúrbio, que passou por poucas e boas na vida junto à sua esposa. A direção central da igreja costuma o considerar destemperado, e isso acaba se confirmando de certo modo quando, de púlpito, num culto transmitido pro país inteiro, enquanto apelava aos fiéis da igreja central, que ajudassem na obra de sua igreja, Jake se depara com a indiferença de geral, e assim ele fala "se vocês não estão preparados para ajudar de verdade na obra, guardem seu MALDITO dinheiro!" Pra gente no Brasil pode até ser meramente chocante, mas nos EUA a palavra "DAMN" é um palavrão, uma pornofonia, e basicamente seria similar a dizer "então guardem a p**** da sua grana!" Quando expliquei isso pra minha mãe, ela meio que teve uma reação muito parecida com a do concílio da igreja no filme: "nossa, esse pastor falou palavrão, tá errado!" Eu não posso dizer a ela que ela teja errada em dizer que palavrão é pecado, nem quero dar uma de relativista, liberalista, pós-moderno ou teísta aberto de negar o que desagrada a Deus, porém a questão mais importante acabou sendo obscurecida por uma palavra de quatro letras, que é o abandono e a sensação de muitos de achar que tudo se resolve dando uma "esmola". Ninguém tem coragem de arregaçar os braços e fazer, esquecemos que pessoas não se compram, pessoas de Deus agem voluntariamente e por amor. Mas é isso, é mais fácil olhar o argueiro do que a trave, mais fácil coar o mosquito do que o camelo. Mais fácil condenar alguém que na sua inquietação e inconformismo com a mesmice da igreja decide soltar uma indignação com um palavrão no meio do que perceber que ele é filho do cansaço em estarmos bem confortáveis com nosso bumbum na cadeira acolchoada e no ar condicionado da igreja invés de evangelizar as pessoas não só pregando a Bíblia, mas oferecendo o exemplo e a mão amiga nas dificuldades de todos.

E aí entramos nessa questão. Quantas vezes por exemplo você deve ter ouvido de um cristão "tá ouvindo música 'do mundo', isso é errado!", "também, perde tanto tempo com TV e internet, por isso tá sem nenhuma unção", "esses jogos aí que você joga vão perverter sua mente", "se sua banda tocar nesse evento ou nesse lugar você vai se desviar!", "tuas tatuagens e piercings estão sujando o templo do espírito", "não pode fazer teatro ou dança ou tocar esse ritmo dentro do templo ou num culto", "se tocar música 'do mundo' você vai adorar satanás", "tá escandalizando! (curiosamente escândalo no que Jesus dizia é viver deliberadamente no pecado às vistas de todos! - Mateus 18.7) "fica aí com essas roupas e essas danças aí, isso é carnalidade, modismo, é 'o mundo entrando na igreja'". Pois é, essas e outras coisas que vemos que em mais de dois mil anos desde que nosso Senhor se humilhou a si mesmo vindo à Terra como homem para desfazer a separação entre a Criação Divina (toda ela: homens, animais, plantas, construções, descobertas científicas, objetos, profissões válidas, criações e manifestações artísticas) e o Criador e Dono de tudo e todos, e ainda assim a Igreja continua ignorando esse elemento, com um farisaísmo estúpido, um gnosticismo pagão, um maniqueísmo diabólico, religiosidade hipócrita e santidade fingida, que se atenta ao visual, coloca o cristão numa bolha tachando coisas como artes cênicas (teatro, filmes, novelas, séries), música popular (todos os estilos, mesmo o rock, funk, brega, rap, reggae, pagode, samba, jazz, blues, MPB, seja lá qual for, com letras cristãs ou não), a ciência (que já foi toda coordenada por cristãos como Galileu, Copérnico, Newton e Einstein, mas a excessiva guerra da Igreja contra as descobertas científicas levou a um dualismo inexistente entre fé e ciência), a política (apesar que nesse meio os maus exemplos de muitos dos ditos "políticos evangélicos" acaba falando mais forte - ou deveria - do que a suposta "conspiração do mal comunista contra a fé cristã") e outras partes da existência terrena como coisas corruptas, pagãs, inúteis, falsas, ignorando que Deus é glorificado em todo lugar - mesmo nos piores lugares Deus está presente. Ao atribuir ao diabo o senhorio de alguma coisa, ao dizer "ah, essa música é do diabo", estamos desfazendo aquilo que Jesus fez na cruz, ao tomar todo domínio em Suas mãos. Estamos, parafraseando Paulo, crucificando Jesus novamente.

Voltando a um tópico que citei mais acima, a censura no mundo da música que se estabeleceu entre 1985-6 nos Estados Unidos foi liderado por várias senhoras ditas cristãs, dentre elas Tipper Gore, naquela época esposa do então senador Al Gore. Atacaram diretamente vários artistas, dentre eles a banda secular Twisted Sister, e músicas como Under the Blade foram consideradas violentas ou estimuladoras de sadomasoquismo. O vocalista da banda, Dee Snider, foi ao congresso americano e confrontou diretamente todos lá, chegando ao ponto de dizer "as pessoas costumam entender aquilo que elas mesmo pensam, aquilo que sua mente já assim se propõe e está cheia. Se a sra. Gore viu sadomasoquismo na minha música, é porque é isso que a mente dela está cheia!" Basicamente uma releitura do que Jesus disse anos antes "não é o que o ser humano consome que o contamina, e sim aquilo que dele mesmo sai... porque o que sai da boca do homem provém de sua mente, e por isso tais coisas que o contaminam, pois é da mente humana que provém maus pensamentos, assassinatos, adultérios, depravações morais e sexuais, roubos, mentiras e blasfêmias" (Mateus 15.11,18-19). Curioso que à época Dee Snider se declarava cristão, casado e com filhos, dizendo-se um pai de família responsável, coisa que ele continua ATÉ OS DIAS DE HOJE, e também já fazendo campanhas contra o uso de drogas, algo até curioso dentro do rock. Já Tipper Gore... essa se separou do esposo nos anos 1990 (ué...) e seus filhos alguns foram até presos por abuso de drogas (olha que bela criação "cristã"...). Algo parecido aconteceu com um certo pastor chamado Jimmy Swaggart. Durante os anos 1970 e 1980 ele denunciava a "perversidade sexual" do rock, em especial o rock cristão, dizendo que rock cristão era a "nova pornografia se infiltrando nas igrejas". Atacava artistas seculares como Ozzy Osbourne (que curiosamente se declara cristão a anos) e até bandas cristãs como Larry Norman e Stryper (essa última os irmãos Sweet, líderes da banda, se converteram JUSTAMENTE NA IGREJA DO SWAGGART!). Pois bem, esse "defensor da moral e bons costumes americanos" acabou duas vezes sendo apanhado com prostitutas, numa delas, a primeira, ainda tentou fazer um pedido de perdão na TV patético - principalmente quando lembramos que pouco depois lá ia ele de novo nesse mesmo erro, isso sem falar que ele era um dos maiores pastores da diabólica Teologia da Prosperidade nos EUA. Bem, dá pra imaginar o quanto ele tornou-se um mau exemplo pra fé cristã, por vezes zombado por artistas como Ozzy, Poison, Black Sabbath e outros tantos. Esse é o perigo do zelo excessivo baseado em aparências, em perseguições devido ao conforto pessoal de cada um. Esse tipo de zelo já causou problemas demais, e continua causando, vide quantos atualmente não odeiam mais os cristãos por serem cristãos e sim por muitos NÃO SEREM REALMENTE O QUE PREGAM! Noutras palavras, aqueles que lutam para viver o Evangelho Integral sofrem porque, como diria meu pastor, Ivan, parece que "as vozes dos idiotas falam mais alto do que as dos sensatos". E é meio isso mesmo: os maus exemplos sempre recebem do seu senhor, o diabo, espaço a mais para atrapalhar a obra do Senhor. Infelizmente herdamos essa mesma religiosidade fingida. Livros como a série "Ferramenta" por exemplo sempre demonizam tudo que vem da cultura em geral. Não é muito difícil você causar horror ante um pai cristão dos anos 1990 se falar nomes como Pokémon e Cavaleiros do Zodíaco, já que sempre os disseram que tais animes eram "coisas do diabo", "tinham mensagens subliminares", "hipnotizavam seus filhos pra tornarem-se zumbis do diabo", etc.

Sejamos vigilantes e cautelosos, pois não devemos ser guiados por vista e sim por fé (2 Coríntios 5.7). A aparência é enganadora. Jesus foi desprezado e considerado escória e indigno de atenção pelo mundo (Isaías 53), mas o diabo, o enganador, é capaz de se manifestar até como anjo de luz (2 Coríntios 11.14), portanto ele sempre assume a forma mais agradável, a mais vistosa, aquilo que parece fantástico. Um texto que eu gosto muito de lembrar, embora me falhe a memória agora a autora e a fonte, é de uma gótica cristã, que era confrontada por um irmão que dizia que as vestes dela não eram dignas de uma donzela cristã. Ela respondeu olhando pra ele e dizendo "o seu terno, paletó e gravata também não o são, já que antes dos cristãos adotarem esse tipo de vestimenta, eram usados por mafiosos italianos. Não acho que mafiosos sejam bons exemplos para imitarmos...". Aqui no Brasil ainda há irmãos que acham absurdo outros usarem camiseta e bermuda, mas esquecem que os "homens de bem" que usam terno, paletó e gravata em Brasília e em várias sedes de poderes do Brasil em sua grande maioria "de bem" só têm o nome, porque trabalham contra o próprio povo os roubando e usando a ideologia (seja ela de esquerda, direita ou do lado que for) apenas para manipular os "politizados". A aparência é pura ilusão. Um dia todos nós voltaremos ao pó, e antes disso seremos cadáveres apodrecidos e fedorentos que virarão caveiras dignas de filmes de terror. E isso independente da forma que morrermos, um dia seremos assim (exceto se Jesus vier e nos resgatar antes de morrermos). Portanto tudo o que somos perece pelo uso, e ainda assim, imperfeitos, corruptíveis, com o mal nascido desde nossa concepção dentro de nós, ainda assim Jesus quer resgatar esses seres corruptos e os usar pra sua honra e glória. Sendo assim, quem somos nós para impor regras de "não pode, não faça, não use, não assista, não entre aí"? O Espírito Santo é quem nos guiará para os lugares que Deus assim determinar, ainda que sejam pro espanto do mundo, pois "Deus escolheu coisas insanas desse mundo pra deixar as que se achavam sábias confusas, e escolheu aquilo que era fraco pra deixar os que se acham fortes confusos, e escolheu aqueles que eram ditos como desprezíveis, imundos e que nem mesmo eram 'alguma coisa' pro sistema pra deixar todos os que se acham alguma coisa confundidos, e assim nenhum ser possa se achar glorioso diante do Senhor" (I Coríntios 1.27-29).

Que Deus abra nossos olhos e tire de nós toda trave, e sejamos assim "sagazes como serpentes, mas inocentes como pombas" (Mateus 10.16b).

sábado, 5 de outubro de 2019

Rock "cristão" ou "feito por cristãos"?


A alguns anos atrás a CCM americana (e posteriormente na versão BR, a saudosa CCM Brasil, na edição 09 de janeiro de 2000) saiu uma matéria interessantíssima a respeito de artistas cristãos como Sam Phillips, The Alpha Band, U2, Steve Taylor, King's X, Jars of Clay, The Call e outros que por muitas vezes não seguem as "regras" do "gospel" ou largavam a carreira religiosa, bem como artistas supostamente "não-cristãos" como Joan Osbourne e Prince que por vezes trilhavam os caminhos da música religiosa. Algum tempo antes a mesma CCM (matéria que sairia na edição 08 de dezembro de 1999 da CCM Brasil) falava da dificuldade de rádios "cristãs" passarem músicas, mesmo de artistas declaradamente cristãos, mas que porventura tivessem enveredado pra outras temáticas que não a fé cristã, por exemplo a explosiva "Baby Baby" de Amy Grant ou "Kiss Me" de Sixpence None the Richer. Em 2001 fãs de "rock gospel" ficaram atônitos com supostas declarações da banda Catedral acerca da igreja e do público "gospel" - declarações essa diga-se de passagem já comprovadamente falsas, manipuladas ou inventadas pelo então repórter do site Usina do Som responsável pela desastrosa entrevista -, e muitos abandonaram a banda, já contrariados desde que eles assumiram em 1999 que iriam tocar "para todo mundo" e não só para o público cristão. Curiosamente no mesmo ano um cantor cristão por nome Robinson Monteiro explodia no Programa Raul Gil, à época na Rede Record, com versões de cantores seculares como Whitney Houston e Crowded Horse, lançando um disco de grande sucesso nacional, "Anjo" (música do Roupa Nova que acabou virando o apelido do cantor), com a grande maioria de suas canções de autoria secular. Desde meados dos anos 2000 bandas como Palavrantiga, Aeroilis, Tanlan e Crombie, debaixo de um manto chamado de "Novo Movimento" (ou "Crossover") vem desafiando os limites do que é música e lírica cristã.

Essa discussão sobre os limites do que um cantor cristão pode fazer é tão antigo que muitos creem vir de bem antes do cristianismo. Como falei no texto que também dá pra encontrar aqui no Blog acerca da linha do tempo da história da música cristã, acredita-se que o Rei Davi chegou a usar canções da época como base instrumental para alguns de seus salmos. Salomão fez uma canção de amor para uma de suas esposas fantástica que todos conhecemos como Cantares (ou Cântico dos Cânticos) de Salomão e que está presente tanto na bíblia hebraica (só o antigo testamento) como nas de qualquer vertente do cristianismo. Martinho Lutero, o reformador da igreja, usou canções usadas em campos de cevada para criar cânticos que levaram diversas pessoas a se arrependerem verdadeiramente ao Evangelho, para desespero de muitos de seus opositores que diziam que "as canções de Lutero 'destruíram' (crivo meu) mais corações que suas pregações e livros". O "Saltério de Genebra", primeiro hinário oficial da igreja calvinista, foi encomendado pelo Jean Calvino em pessoa para Louis Bourgeois, que pediu ajuda a Clement Marot, poeta francês que usou canções francesas populares para fazer a métrica dos cânticos, muitas dessas para entretenimento do rei francês Francisco I, uma situação que levou Marot a fugir dos católicos franceses furiosos e se abrigar em Genebra pra não ser morto (!). Séculos mais tarde os irmãos Wesley (John e Charles), fundadores do metodismo, criaram as canções evangelísticas, feitas com o intuito direto de trazer pessoas a Cristo, mas usando canções populares e folclóricas de origem germânicas, como a famosa "O Dia de Descanso e Júbilo", que originalmente chamava-se Mendebras e é cantarolada até hoje por qualquer um que trabalhe nos campos de cevada alemães. William Booth, criador do Exército da Salvação, foi o maior criador dos hinos de marcha, usando marchas populares de exércitos e hinos como o "Battle Hymn of Republic" para fins evangelísticos (esse último no Brasil é conhecido como "Vencendo Vem Jesus" ou "Glória Glória Aleluia"). Na primeira metade do século XX o famoso evangelista Billy Sunday usou de expedientes similares aos de D.L. Moody e outros já citados, e vários cantores como Joshua White, Blind Willie Johnson, Rosetta Tharpe, Mahalia Jackson e Gary Davis fizeram carreiras paralelas cristãs e seculares, encontrando pouca ou nenhuma oposição em alguns momentos dentro da igreja, algo bem diferente do ocorrido com os primeiros roqueiros, como Elvis Presley, Chuck Berry, Sly Stone, Carl Perkins, Jerry Lee Lewis, B.B. King e Johnny Cash, que enfrentaram severa repressão por parte do mundo cristão. No final dos anos 1960 o Jesus Movement tentou levar ao público jovem de seu tempo uma música mais contemporânea, o que levou à fúria de muitas igrejas conservadoras. Aqui no Brasil a oposição ao "rock cristão" (quem nunca ouviu Lourival Freitas tocando seu country - olha que ironia - "Tem Roqueiro na Igreja" dizendo que "se você não for bem crente dar vontade de dançar", que "seus barulhos não têm nada de Evangelho" e que os pastores deixam tocar na igreja com medo de "logo se desviarem e virarem vagabundos") já provinha desde os precursores dos anos 1970, piorou quando o Janires e o Rebanhão com suas letras geniais e sonoridade bem variada levou eles a acusações de conter "mensagens subliminares" em seu disco de estreia "Mais Doce que o Mel" de 1981, entre outros; e piorou ainda mais com o "movimento gospel" do final dos anos 1980 até o final dos anos 1990. Bem, esse último até quebrou no fim de sua jornada como movimento muitos preconceitos acerca do rock, porém acabou gerando um efeito colateral bem curioso: a rejeição a toda música "secular".

A aversão à "música do mundo" obviamente precede o movimento gospel, e já era famosa a muito uma frase: "queria que meu vizinho virasse crente pra me dar todos os discos dele!", já que não era incomum esse ato (minha mãe mesmo fez isso - e se arrepende amargamente faz tempo haha). Porém o gospel sem querer acabou criando uma barreira de separação: agora existe a música "gospel", cristã, boa, adequada (apesar de muitas terem heresias terríveis) e a música "secular", "mundana", corrupta, feita por "servos do diabo" e que não trazem nada de bom, cantar essas músicas feitas por eles, mesmo as que supostamente falam bem de Deus ou ouvir versões que eles porventura façam de canções cristãs vai enfiar na sua cabeça e na sua vida demônios e etc e tal. Colocaram que se o movimento gospel trouxe a abertura para outros ritmos, agora tornava-se desnecessário completamente ouvir, comprar, assistir ou ter quaisquer coisas "seculares", sob pena de estar sustentando "adoradores do demônio". Alguns pastores chegam até a afirmar aquela velha teoria que muitos teólogos mais atenciosos já descartam completamente de que satã quando ainda era um querubim era regente dos corais celestes e que levou todos os instrumentos e ritmos com ele pro inferno (esse é "o bichão" mesmo hein cara! Roubou o que é de Deus na cara dura). Com isso, artistas cristãos que fazem covers de bandas seculares ou que decidem se aventurar numa carreira mais "mainstream" ou similar são chamados de traidores, vendidos, mundanos ou falsos cristãos. A situação é tão ridícula que já vi cantores e bandas como Novo Som e João Alexandre serem xingados por cantar canções românticas. Esse último chegou a declarar que não fazia "música gospel", o que causou certo celeuma no cenário. Algo parecido pode ser dito sobre o termo "white metal" (inventado pela gravadora Metal Blade unicamente pra banda Trouble - formada por cristãos, mas nunca declaradamente "gospel" e que odiava o rótulo "white metal" - pra separar de bandas que cantavam sobre o demo, as "black metal" antes do termo designar um estilo), termo inventado por uma gravadora não cristã e que acabou por rotular, segregar e virar chacota no meio "secular" - principalmente no Brasil, onde o nível de intolerância chega a estados alarmantes, em especial quando enfiam ideologia no meio da parada (o termo "unBlack metal" acabou caindo na mesma situação inclusive). Rebelando-se contra esse termo, Claudio Tiberius e cia, fundadores do C.M.F. (Christian Metal Force) e da DevilCrusher, acabaram encerrando a banda e criando a Berith, uma das mais polêmicas bandas cristãs brasileiras por justamente em meio aos anos 1990 se recusar a se identificar como "white metal" e tocar em todos lugares e com as mais diversas bandas, chegando a tornar-se amigos íntimos da banda secular Torture Squad.

Nesse retrospecto todo, fica ainda aquela situação, em que muitos contestam bandas como Stryper e Ultimatum, que não têm nenhum problema em fazer covers de bandas seculares - chegando a deixar claro, como no caso da Stryper, que não são uma banda "cristã" e sim feita por cristãos. Contestam bandas como Midnight Oil, Rodox, Moby, Aunt Beans, Alice Cooper, Bruce Cockburn, Tonio K., P.O.D., As I Lay Dying, Pat Boone, Mark Heard, Megadeth, Bob Dylan, Catedral e U2, formadas por cristãos, mas que não se comprometem diretamente com a música cristã. Contestam cristãos como Nicko McBrain (Iron Maiden), Tom Araya (Slayer), Cleberson Horsth e Serginho Herval (Roupa Nova) e o saudoso Serginho Knust (Yahoo) por tocarem em bandas seculares. Contestam bandas como Palavrantiga, Circle of Dust, Argyle Park, Pimentas do Reino, Crombie, Marcela Taís, Resgate e Lorena Chaves por letras "pouco claras" acerca da sua fé. Exigem um padrão de lírica sempre "gospel", querem que se fale o tempo todo de "Jesus Cristo te ama, te salva" ou "Glória a Deus" o tempo inteiro. A questão é que mesmo a Bíblia - que tem como centro e âmago Jesus Cristo, indubitavelmente - não se basta nos temas relacionados à louvor e adoração a Deus ou proclamação do Evangelho da Salvação. Até mesmo dentro da Palavra de Deus é possível ver cânticos com temáticas e motivos variados, que no fim todos são pra glória de Deus. O exemplo do livro de Cantares é bem importante pra mostrar que é possível cantar sobre as belezas da criação e do amor entre um homem e uma mulher pra adorar a Deus, mas além disso, há outros exemplos, como todo o livro de Lamentações de Jeremias, cânticos feitos como lamento pelo estado de Jerusalém antes e depois de sua queda pelas mãos da Babilônia, mas não se restringe a este: o salmo 88 de Hemã é sem dúvidas o salmo mais "gótico" da Bíblia, terminando de maneira bem críptica e dura. Jeremias mesmo fez lamentação sobre o rei Josias por ocasião de sua morte (2 Crônicas 35.25). O salmo 73 é mais um hino de denúncia das injustiças sociais do que um simples louvor a Deus. Em Josué 6 foi mandado o povo tocar trombetas não em louvor a Deus, mas como um clamor de guerra, e o mesmo pode ser visto em Juízes 7.8, 16-22 e em 2 Crônicas 20.21-22. Cânticos na Bíblia aparecem para os mais diversos motivos, mas na história da música cristã também foi assim, como por exemplo "Quão Grande És Tu", de Stuart Hine, que nasceu enquanto ele andava por um bosque e via a grandiosidade da criação divina. Sim, cantar sobre as belezas criadas por Deus é uma forma de louvar ao Criador. Então é algo bem complicado persistir em xingar pessoas cristãs que escutam secular ou que cantam letras "pouco religiosas". Primeiro porque não se pode julgar temerariamente pra não sermos julgados, pois a medida que julgamos indevidamente voltará contra nós (Mateus 7.1-2), quem somos nós pra definir se as pessoas são ou não de Deus baseados em aparências e regrinhas tolas da nossa "cultura cristã" (termo ridículo inclusive, já que o cristianismo não é uma cultura e sim uma fé transcultural que pode muito bem se manter dentro de qualquer cultura, obviamente removendo aquilo dentro da cultura que desagrada a Deus). Além disso, a Bíblia não estabelece regras realmente sobre o serviço ou o louvor a Deus, exceto uma: deve ser "em Espírito verdadeiro" (João 4.23-24). Como diria Lutero a um sapateiro que lhe perguntou como faria pra servir bem a Deus: "faça um bom sapato e venda-o por um preço justo". Todas nossas atividades devem ser pra glória de Deus, devem ser atos de louvor e adoração a Deus, e isso não só em cânticos "gospel". Será que estamos tentando fazer o papel de juízes na Terra de maneira indevida? Pois é, pensemos nisso.

Deixo pra finalizar o cântico "Falso Véu" de João Alexandre que ele fez pro Vencedores por Cristo que representa muito essa piração toda por parte de alguns hipócritas que precisam ser mais adeptos do "misericórdia quero e não sacrifícios" (Oséias 6.6 e Mateus 9.13).

Quem é que pode te garantir
Que este teu jeito
De servir a Deus
Seja o melhor
Seja o mais leal
Um padrão acima do normal?

De onde vem tanta presunção
De ser mais santo
De ser capaz
De agradar a Deus
Crente nota dez
Superior acima dos fiéis

Pobre este entendimento
Que não vem de céu
Fraco discernimento
Frágil, falso véu
Tenta encobrir em vão
Teu lado animal
Luta, perseguição
Tanto desejo mau
Confusão
Divisão

Se alguém quer mesmo
Agradar a Deus
Saber das coisas
Compreender
Mostre em mansidão
De seu caminhar
Ser gentil no gesto e no olhar
E a diferença que existe em nós
Poeira vinda do mesmo chão
É somente o amor
Que nos alcançou
Graça imensa
Imenso perdão
É somente o amor
Que nos alcançou
Graça imensa
Imenso favor


Que Deus nos abençoe e esse texto foi mais uma reflexão e não um "faça exatamente igual a mim". Ninguém é obrigado a seguir o que seu irmão segue, mas deve-se haver respeito, não o ataque às diferenças tão singelas. Sei que existem casos reais de cristãos que vendem seu chamado pro pecado, mas muitos desses curiosamente persistem a estar no mercado "gospel". Curioso não? Pensemos e oremos uns pelos outros e deixemos o dedo pra "furar bolo" invés de apontar!

sábado, 13 de abril de 2013

O impagável anti-rock


Até que ponto vai a criatividade humana? Até que ponto alguém é capaz de interpretar os fatos ao seu bel-prazer e de acordo com sua vontade? Como a parcialidade se torna aceitável? Como a cegueira se instala? Como, onde e porque a ignorância se torna uma arma?
Creio que todos nós estamos cansados desse papinho velho e infundado de que “o diabo é pai do rock”, de que o estilo é maléfico, profano e deve ser evitado. Não quero de forma alguma vir discutir aqui a veracidade ou a inconsistência dessas afirmações, porque além de ser desnecessário – tamanha a quantidade de discussões acerca do tema – seria de uma redundância extrema. Se você quer saber mais um pouco acerca disso, recomendo que procure aqui mesmo no Whiplash!, onde temos vários artigos tratando sobre o envolvimento de bandas com ocultismo e satanismo e sobre as origens do rock – mais uma prova da idoneidade que esse espaço desfruta e da liberdade que ele proporciona – e daí, aliado ao seu sentimento, sua opinião, seus estudos, pesquisas e observações, tire uma opinião própria.
Porque se eu viesse a explanar mais sobre o tema aqui, mesmo que visse os dois lados da questão, tenho certeza que seria encarado como “mais uma forma de um rockeiro tentar provar por a+b a pureza (ideologicamente falando) do estilo” e isso não seria de todo válido.
Ao invés disso, prefiro analisar o que alegam os nossos “acusadores”, que fatos, que provas irrefutáveis eles apresentam e como o seu conhecimento acerca do tema (que é o mínimo que deveriam ter) foi apurado para tratar do assunto proposto.
Minha vontade de falar sobre isso não surgiu ao acaso, ao longo do tempo já tive a oportunidade de participar de várias discussões sobre o rock, ler dezenas de artigos e até livros acusando o rock de tudo quanto qualquer impropério e não deixando “nenhuma dúvida” sobre sua origem satânica – desculpem se não consigo disfarçar o riso enquanto escrevo isso. E a quantidade de absurdos, a quantidade de atentados á inteligência dos leitores que temos aos montes nestes artigos são coisas realmente impressionantes e hilárias para dizer a verdade (o “impagável” do título da coluna não foi á toa) mesmo que você encare com a maior seriedade possível.
Num dos mais contundentes e – a primeira vista – respeitáveis artigos que já li, feito pelo ministério “Dial-The-Truth” e escrito por Donald Phau, em quase 15 páginas eles analisam o rock a partir de seus grandes expoentes da década de 60 e a partir daí vão pegando tudo que de mais maléfico encontraram, aquele velho artifício de socar o leitor com fatos e mais fatos em seqüência – sempre parciais e superficiais diga-se – para com isso conseguir provar definitivamente aquilo a que eles se proporam.
Mas alguém que tenha um mínimo de conhecimento e experiência sobre o rock não pode levar a sério certas coisas, pois elas mesmas se denigrem, só se você estiver muito disposto e condizente com os autores será capaz de engolir tudo aquilo facilmente, tamanho o nível de besteiras e distorções que são ditas e feitas. Antes de prosseguir, quero assinalar que todos os acréscimos entre parênteses e destaques em negrito fora feitos por mim, ou por necessidade ou para dar ênfase. Em uma de suas passagens, por exemplo, falando sobre o Festival de Altamont em 1969, dizem: “Somente com o cair da noite, que permitia o uso de efeitos luminosos especiais, é que eles (Rolling Stones) subiram ao palco. Mick Jagger, o vocalista, estava vestido com uma capa de cetim, que ficava vermelha sob as luzes. Ele estava imitando Lúcifer”. Mas isso não é nada. Logo em seu início o artigo de Donald Phau nos proporciona uma das teorias da conspiração mais absurdas que já tive a oportunidade de saber, confira: “A música Rock eletrônica (?!?!?!?! – como se não houvesse amplificadores e guitarras elétricas antes disso) moderna, inaugurada no início dos anos 60, é, e sempre foi, um empreendimento conjunto da inteligência militar britânica e das seitas satânicas. De um lado, os satanistas controlam os principais grupos de música Rock por meio das drogas, do sexo, das ameaças de violência, e até do assassinato. Do outro lado, a publicidade, as tours, e as gravações são financiadas por empresas conectadas com os círculos de inteligência militar britânicos. Ambos os lados estão intimamente interconectados com o maior negócio do mundo, o tráfico internacional de drogas”.
Vamos lá, todos em conjunto: “Clap! Clap! Clap! Clap!, só me resta bater palmas para eles. Nem nos meus mais profundos acessos de loucura seria capaz de criar algo dessa natureza. Na seqüência, eles citam “fatos” e “acontecimentos” que supostamente comprovariam esta tese, mas que não conseguem passar de mais uma teoria da conspiração.

E não para por aí: “Os astros do Rock são também criações totalmente artificiais da mídia. Sua imagem pública, bem como sua música, é fabricada atrás dos bastidores pelos controladores do esquema.” – Isto significa, então, numa revelação bombástica, que todas as músicas, todas as composições do rock nunca foram feitas por seus próprios integrantes, que os créditos dados á eles por suas composições são meras formalidades para manter as aparências, certo? Quer dizer então que Brian Wilson (Beach Boys), Keith Richards (Rolling Stones), Pete Towsend (The Who), Alvin Lee (Ten Years After), Ritchie Blackmore (Deep Purple), Roger Waters (Pink Floyd) e Jimmy Page (Led Zeppelin) – para ficar só em alguns exemplos da época – nunca comporam uma música? Digamos então que o talento (genialidade, habilidade, maestria...) que estes têm com seus instrumentos só podem ser advindos de Satanás – seguindo a “lógica” dos autores deste artigo. Ora, meus amigos! É muita ignorância mascarada de verdade para uma pessoa só! Então que se revelem estes “controladores” que ficam por trás das bandas, na verdade só podem ser gênios para comporem tantas músicas maravilhosas, que eles apareçam para o mundo! Aí vem um e diz: “é lógico que eles não vão aparecer seu mané! Isso iria desmantelar o esquema dos satanistas e – ah! claro – da inteligência militar britânica, eles não são burros á esse ponto; Sabe aqueles casos em que a falta de evidências acaba sendo prova para uma teoria? “Se ninguém nunca soube de nada é porque existe mesmo, se não temos nenhuma prova concreta é mais uma afirmação de que estão escondendo alguma coisa e são muito habilidosos nisso”.
Ora, queridos leitores, isto é uma agressão á estas pessoas que deram sua vida por aquilo que gostavam, é uma agressão a quem suou tanto e deu tanto de si para compor uma música (já tentaram compor uma música? podem imaginar o quão difícil isso é?), o cara tem que ser muito louco para fazer uma afirmação dessas sem provas, se os compositores resolvem-se processa-lo eu teria pena dele – na verdade eu já tenho.
E o combate “á qualquer custo” – literalmente – contra o rock continua: “Entre 1963 e 1964 os Beatles e os Rolling Stones tomaram a cultura ocidental. Essa invasão iniciada a partir da Inglaterra foi bem planejada e executada no momento certo. Os EUA tinham acabado de sofrer com o choque do assassinato do Presidente John Kennedy, enquanto que nas ruas o movimento de massa pelos direitos da cidadania tinha feito uma grande passeata na capital Washington, liderada por Martin Luther King, com 500.000 pessoas. A contracultura do Rock seria usada como uma arma para destruir esses movimentos políticos. (essa merece uma avaliação melhor mais pra frente).
Posteriormente, em 1968 e 1969, anos em que ocorreram as greves de estudantes e trabalhadores nos EUA e na Europa, grandes concertos de Rock ao ar livre foram usados para conter o crescente descontentamento da população. Os concertos de Rock foram planejados como um meio de fazer aliciamento em massa para a contracultura saturada das drogas e do sexo sem compromisso. Para os milhões que iam a esses concertos, milhares de comprimidos da droga alucinógena LSD, estavam gratuitamente disponíveis. Essas drogas eram secretamente colocadas em refrigerantes como Coca-Cola, tornando milhares de vítimas incautas em psicóticos selvagens. Muitas dessas vítimas cometeram o suicídio.
Menos de meio século atrás, nossos filhos estudavam violino e piano, aprendendo a música dos grandes compositores eruditos, como Bach, Mozart e Beethoven. Como mostraremos, as mesmas companhias de discos que hoje promovem o Rock "pauleira" satânico (uhu!) executaram operações secretas (lembram do que falei acima?) para destruir a herança musical dos grandes compositores clássicos.
Nos últimos trinta anos, a civilização ocidental esteve sob a mira de um plano deliberado de guerra cultural, com o propósito de eliminar a herança cultural judaico-cristã. O sucesso desse plano precisa ser impedido”.
Então o rock foi usado para alienar as pessoas? Então o rock foi usado para desviar os jovens de seu engajamento político e social? Então o rock criou uma massa de imbecis que não queriam saber de nada a não ser se drogar? O mais interessante é que a história prova justamente o contrário. O mais interessante é que foram justamente esses “jovens perdidos nas drogas e no sexo” que participaram ativamente das revoluções sociais e políticas.

Não lhe parece que conteúdos desse teor tenham forte aproximação com o preconceito que a sociedade até hoje tem de que rockeiro é burro, sem cultura, vagabundos, vândalos e drogados? Tenho plena certeza que sim. Este é o “do it yourself” dos sem escrúpulos, dos que não medem esforços para impor uma “verdade” que eles divulgam, dos pseudo-intelectuais baratos, dos críticos meia-boca que assassinam a ética e os ideais que deveriam prezar.
E tocando em outro ponto que eles levantaram, não conheço nenhum outro estilo musical que esteja tão ligado á música clássica. Há no rock/metal uma influência profunda e evidente da música clássica. Milhares de bandas e instrumentistas (Yngwie Malmsteen, Michael Romeo, Alex Staropoli...) estudam, divulgam e colocam música clássica em suas composições. Não vejo como o rock poderia ser um instrumento de oposição aos compositores eruditos. Por toda a ligação já explanada que o rock tem com a música clássica, acaba é acontecendo o contrário, a pessoa que gosta de rock/metal geralmente também gosta da música clássica, e se torna um consumidor e apreciador desse tipo de música. Essas pessoas deveriam saber um pouco mais sobre o assunto antes de falarem alguma coisa.
Já num outro artigo que procura identificar a origem, ou pior, “a autoria” do rock, cita algumas frases, letras de músicas e partes de entrevistas para validar afirmações como: “O rock é a música de adoração ao Diabo”, “O rock é a música da imoralidade sexual”, O rock é a música da dependência química: é uma droga!” e “O rock não é aceito por Deus na adoração”, além de afirmações ainda mais repugnantes e infundadas como “o rock é uma possessão demoníaca”. E ainda, nos chamam de “ímpios, drogados, cultuadores de demônios, adúlteros e fornicadores”. E não contentes, finalmente afirmam que “o rock se originou no paganismo vodu e na feitiçaria oriundas das religiões demonistas da África”, fazem esta afirmação se baseando em uma outra referência, ou seja, esta origem do rock é mais divulgada do que poderíamos supor. Inclusive li um artigo inteiramente dedicado á essa questão, posso afirmar que nunca vi algo tão forçado, superficial e infundado. Até que ponto as pessoas vão quando querem empurrar alguma “verdade” goela abaixo de seus semelhantes. E o mais incrível é que cristãos (de todos os tipos) sérios, estudiosos, leitores contumazes, recebem isso de peito aberto e pior: fazem desse monte de vultos e mentiras, armas para irem contra o rock. Já as alegações mais profundas dão conta da própria estrutura (harmonia-melodia-ritmo) do rock, que segundo eles proporciona aos jovens o descontrole, a loucura, a violência, a libertinagem sexual, e num acesso especialmente megalomaníaco, assassinatos e todo tipo de crime. Mas o mais grave é que estendem isso á personalidade do rockeiro, crendo que todo ser que goste rock faz esse tipo de coisa ou é forte candidato a faze-las. Como se fosse algo “monorítmico” e além de tudo, invariável. Esquecem-se de que isso é tão pessoal e individual de cada um, que se torna absurdo afirmar tal coisa. O rock/metal é capaz de transmitir TODOS os tipos de sensações – está aí um dos motivos pelo qual amo o estilo – ele é completo, variável, pode ser simples e puramente empolgante e extremamente complexo, e digo que inexplicavelmente, até os dois ao mesmo tempo. Nenhum outro estilo é capaz de proporcionar tantas sensações diferentes (creio que ao menos isso seja irrefutável) e quantas sensações você já experimentou ao ouvir o rock? Posso dizer por experiência própria que foram (e ainda são) inúmeras às vezes em que o rock serviu não para extravasar a minha raiva, mas para controlá-la, evitando que eu fizesse alguma besteira. E com certeza absoluta não estou sozinho quando digo isso. O rock me transmite paz, prazer, alegria e satisfação. Ás vezes o simples fato de ouvir determinada música é como se estivesse desabafando com alguém, como se estivesse dizendo tudo o que desejaria falar. É um refúgio, um companheiro. E por favor, não venham me dizer que essas minhas palavras significam que estou colocando o rock como substituto de Deus, argumentos como esse são tão banais e ridículos que é possível antecipá-los de antemão como estou fazendo agora.
Mas voltando a pluralidade musical e emotiva do rock (que por si só coloca por terra a tese do “frenesi assassino em massa”), voltamos a velha questão da personalidade própria de cada um. Não é porque você joga Resident Evil que vai sair por aí com uma 12 na mão dando tiro em todo mundo. E não é o rock que vai fazer de você uma ameaça para a sociedade ou um satanista em potencial. E é isso que esses senhores parecem não entender, ou simplesmente não seja conveniente para eles entender e aceitar isso.
Nossa via crucis continua e num outro artigo intitulado “Rock Religioso – A Música do Diabo na Igreja!”, os autores citam: “Os roqueiros cristãos dizem que precisamos ser como o mundo, ter a mesma aparência e ouvir a mesma música, para podermos alcançar a juventude atual”.
É importante colocar essa posição porque isso é uma alegação bastante comum. E que felizmente é mentira. Eu não usaria o termo “ser como o mundo” porque nunca vi nenhuma declaração de ninguém do meio dizendo isso. Da nossa parte, o que é comum dizer, é que usamos o rock – como estilo musical inócuo, livre de amarras demoníacas ou qualquer besteira que o valha, ressaltemos mais uma vez – para alcançar naturalmente pessoas que não entrariam em contato com a palavra de Deus de outra forma.
Aí eles dizem: “Esse tipo de raciocínio é uma das doutrinas de demônios que os cristãos estão aceitando. A mesma Bíblia que operou com sucesso até agora, continuará a operar entre os jovens e os velhos”.
Muito bonito e puro, não acham? Pois que bom que este argumento não entra em choque com o que estamos fazendo. Pelo contrário, a bíblia também é nossa aliada. E acredito piamente que o rock cristão não deve ficar confinado somente ao público cristão. Pois já que o objetivo é levar a palavra, é no meio de shows seculares de todos os tipos que isso vai ser alcançado. Uma coisa que acho horrível nos cristãos é essa eterna mania de pensar e agir como se fossem seres humanos especiais, únicos, supremos, separados 100% do mundo e também aquela coisa de achar que todos estão errados e ele está irredutivelmente certo. Usando frases como “descer ao nível deles”, “não devemos nos misturar com eles”. Eles quem cara pálida? Então não estamos “no mundo”, então não fazemos parte “do mundo”? (Sim, eu conheço João 15:19-20 e derivados). Então não sofremos dos mesmos males “deles”? Então não somos tão sujos e desprezíveis quanto “eles”? Os cristãos vivem no seu mundinho particular e permanecem ali com suas verdades “supremas e inabaláveis”. Será que você consegue se livrar desse círculo de mentiras, enganação e apostasia? Será que você consegue se misturar com “eles”? Será que você consegue viver verdadeiramente neste mundo sem agir com arrogância e supremacia? Será que você consegue deixar de menosprezar os outros por qualquer motivo, aparência ou padrão de comportamento que você ache – ou foi ensinado a achar – inadequado? Será que você consegue ser um mortal que não detém a verdade absoluta ou a resposta para tudo? Recomendo que tente, apenas tente, pode te fazer muito bem. Fazendo shows em locais seculares, todas as pessoas que vão ali apenas para curtir o som acabam se deparando com a mensagem cristã e isso as fazem refletir, e mesmo que não venham a se “converter”, isso pode ocasionar uma mudança positiva de comportamento ou atitude.
E isso não tem nada a ver com se vender aos valores do mundo ou fazer algo que vá contra a palavra de Deus. Agora, existem bandas que se deixam seduzir pelo dinheiro, pela fama? Sim. Existem bandas que acabam se desviando de seus propósitos iniciais? Sim. Existem bandas que acabam suavizando sua mensagem para alcançar mais mercado? Sim. Isso é motivo para denegrir o rock cristão? Não. Essas bandas são a maioria? Não. Isso é o bastante para enfraquecer a cena? Não. Isso é o bastante para manchar os nossos propósitos? Não. E o que você esperava? Perfeição? Santidade? Sinto muito. Seja onde, em quem ou em o que quer que seja você nunca vai encontrar isto.
Dando continuidade na análise do artigo encontramos uma cronologia do rock n roll, veja uma parte dela:
Heavy Metal - Década de 70
Mensagem: Sexo, abuso das drogas e nada de restrições morais. As letras promoviam a rebeldia, a violência e a homossexualidade. Inserção de mensagens satânicas camufladas, que só podiam ser ouvidas tocando-se a música do fim para o começo. Além disso, atos sexuais começaram a ser praticados abertamente nas pistas de dança das danceterias.
Música: Aumento nas batidas e no volume. A batida, ou o pulso da música hipnotiza os ouvintes das letras malignas. Os representantes admitem abertamente suas taras e perversões sexuais e as encenam no palco, contribuindo para a decadência moral e a degradação da sociedade.
Principais Representantes: Kiss, Rod Stewart, Bee Gees, The Who, Led Zeppelin, Elton John, Alice Cooper, Village People, Stevie Wonder, Black Sabbath, The Rolling Stones, Eagles, Jethro Tull e Deep Purple.
Rock Teatral Satânico: Fim dos Anos 70 Até o Presente

Mensagem: Muita violência. Satanás não está mais escondendo seus motivos. As letras repudiam abertamente o cristianismo e apresentam o Diabo como a solução. Violência, sexo, rebelião e drogas não são apenas promovidos, mas são encenados no palco. As letras chegam até a promover o suicídio. A MTV coloca as mensagens satânicas nos lares por meio dos vídeos dos concertos de Rock.
Música: Violenta, alta, abrasiva. Tornou-se uma combinação de Discoteca, Hard Rock, e música dos anos 50. A música sintetizada cria um som "robótico", estimulando o poder controlador da música Rock. O Rock transforma-se no veículo mais poderoso por meio do qual Satanás comunica suas mensagens malignas à juventude.
Principais Representantes: Kiss, Eagles, Iron Maiden, Cindi Lauper, Black SabbathJudas PriestVan HalenAC/DC, The Grateful Dead, Michael Jackson, WASP, Prince, Boy George e Alice Cooper.
Convenhamos, só o simples fato de chamarem Rod Stewart, Bee Gees, Elton John, Village People, Stevie Wonder, Eagles, Cindi Lauper, Michael Jackson, Prince e Boy George de “heavy metal” é motivo suficiente para não dar o menor crédito ao resto do artigo. Até nisso os caras descuidaram. Isso sem contar as outras bandas citadas que não se encaixam muito bem na definição de heavy metal, mas tudo bem, até aí nós perdoamos. E eu não sabia que o heavy metal tinha evoluído para “rock teatral satânico”, vocês sabiam? E eu que achava que ignorância tinha limite. Até nos casos onde o exagero era necessário. Enganei-me. E bem, achei também que o resto do artigo valesse a pena citar, enganei-me mais uma vez. É a mesma ladainha e os mesmos argumentos e insistências que já foram expostos aqui.

Há também um livro bastante famoso no Brasil chamado: “A Mensagem Oculta do Rock”, que tem na capa um lobo saindo das chamas, escrito por Jefferson Magno Costa, Claudionor Corrêa de Andrade, Gilberto Moreira e Geremias do Couto e publicado pela editora CPAD. Já o devo ter lido mais de 10 vezes. Há várias explanações sobre as tão conhecidas mensagens invertidas (mensagens ao contrário, subliminares) e sobre a história do rock n’ roll, e claro, aglomeração de fatos (como a exaustivamente comentada chacina de Charles Manson) e declarações que comprovem a “origem satânica” do estilo. Talvez valha a pena ler. A propósito, o Whiplash! também tem um artigo dedicado ás mensagens ao inverso, inclusive com arquivos de áudio em mp3 para você acompanhar.
Creio que isso era usado mais por diversão (como fez o Iron Maiden) do que para incutir em sua mente “mensagens de louvor e submissão á Satanás”. Desde sempre, tudo que se quis falar com relação ao ocultismo ou coisa parecida foi feito muito mais abertamente do que escondido.
Outra coisa que todos se esquecem é que o mal existe. Está aí. Sempre esteve. E basta qualquer citação a demônios ou coisas maléficas nas letras, qualquer letra mais depressiva, mais obscura, mais mística para logo virem apontando o dedão: “Olha lá! Olha lá! Não falei? Essa banda é do capeta! É do capeta! Olha essa letra que perversidade…”. Além de parecerem crianças saltitantes, parecem que idealizam um mundo sem dor, sem amargura, sem guerras, sem desgraças, sem questionamentos, parece que fecham os olhos para a realidade.
E é claro que é muito fácil achar centenas de bandas satanistas e blasfemadoras no rock n roll. Elas existem e estão aí para quem quiser ver, ler e ouvir. Só é importante ratificar uma última vez que isso não se estende á tudo e á todos e isso não significa que o rock nasceu nas profundezas do inferno.
Enfim meu amigo, não sou eu que vou te convencer disso ou daquilo. Só exponho aqui os fatos para que você não fique a mercê de qualquer besteira que se têm dito por aí. Posso dizer que desde que comecei a ouvir o rock eu não passei a simpatizar com Lúcifer, não me tornei alguém mais ou menos violento e nem rebelde (embora alguns pensem o contrário). Mas isso é porque você se torna alguém mais atento, mais crítico, mais questionador, mais reflexivo, mais ativo, mais ligado ás artes e deixa de ser um fantoche nas mãos das várias formas de controle que existem por aí. E óbvio que ninguém gosta e entende isso. Tudo que vai contra a maioria, a mesmice, é visto com maus olhos, como errado (lembram?). Não passa de mais uma forma de controle.
Deixe-me alfinetá-los (a eles, não a vocês) uma última vez: “A todos aqueles que amam o rock n’ roll: eu os saúdo!”.

Links (ou referências por falta de endereços) dos artigos citados nesta matéria:
O rock é do homem, de Deus ou do diabo? – José Pedro Monteiro de Almeida
O jovem e a música rock na evangelização – Gildásio Jesus Barbosa dos Reis
As raízes satânicas da música rock – Donald Phau (www.av1611.org) .
Rock Religioso, a música do Diabo na Igreja – Alan Yusko e Ed Prior (www.bigfoot.com/~rapture77)


Fonte: O impagável anti-rock http://whiplash.net/materias/christiansvoice/000573.html#ixzz2QOiMlJaB